O Primeiro Beijo

Outro dia minha filha me perguntou como tinha sido meu primeiro beijo.

Minha primeira reação foi: Por que ela quer saber isso? Será que ela já está querendo beijar?

Segurei o primeiro impulso.

Veio o segundo: Pensei em responder que tinha sido incrível. Queria contar que a vida é linda do jeito que a gente imagina.

Respirei fundo.

Contive todos os impulsos e percebi que eu precisava ser honesta.

Como, de fato, tinha sido meu primeiro beijo?

Eu nunca havia pensado nisso. Eu nunca havia parado pra pensar sobre isso.

Respondi, tentando deixar a fantasia de lado:

Foi estranho. Eu estava na catequese e ela terminava às 20h. Eu ia andando sozinha pra casa, porque seus avós estavam trabalhando. Eles davam aula à noite. O garoto me esperou na saída da catequese e foi conversando comigo até o final do tobogã - uma subida famosa que tinha antes de chegar na minha casa. A verdade é que a gente não se conhecia tão bem. A gente se via no clube ou na escola. Nós tínhamos nos falado pouquíssimas vezes. Mas eu achava ele bonito. Eu nem sei te falar muito sobre ele. Não foi uma pessoa que conheci profundamente antes de beijar. Mas eu não pensei nisso na época. E, na verdade, eu nunca tinha pensado nisso até hoje.

A forma como aconteceu o primeiro beijo foi a seguinte: eu me senti atraída por ele e foi assim que a gente se beijou. Dá um frio na barriga, uma empolgação súbita que surge do nada, um desejo por aquela pessoa. Também dá medo e muita, muita vergonha.

No final da subida, paramos um de frente para o outro, ele colocou a mão na minha cintura. Eu estava em cima do meio fio e ele estava embaixo, porque ele era muito maior que eu. E aí, a gente se beijou. A sensação foi meio esquisita. As bocas se encostam, aí você põe a língua, e a língua dele entra dentro da sua boca. Como é a primeira vez, você não sabe direito como fazer. Às vezes, a língua bate no dente, as línguas parecem que estão brigando, e tem a saliva. Eu não sabia se tinha que tentar manter a boca mais seca ou se era melhor beijo molhado. Eu estava de batom e ficou tudo borrado. Eu fiquei parecendo uma palhaça, com mais batom fora da boca do que nos lábios. No meio de tudo, eu diria que o beijo parece mais uma estranha dança de línguas, e é preciso acertar o compasso.

Enquanto eu contava isso, percebi que beijei muitas outras pessoas ao longo da vida, porém não me lembro de como foi beijá-las.

Eu me questiono a importância que damos ao primeiro beijo. As fantasias que criamos. As expectativas que colocamos em cima dele. Ele é um aprendizado. Ele é só um beijo. Algo que estamos tentando entender como funciona. Será que alguém tem maturidade suficiente aos 14 anos pra escolher quem vai beijar? Com quem vai se relacionar? Não sei. Só sei que eu não tinha (apesar de achar que eu era uma adulta naquela época!!!!). Quanto tempo levei pra perceber isso! 25 anos!

Mas também me pergunto: será que é preciso essa maturidade? Ou será que passar por tudo isso também é parte de um outro aprendizado?

Só agora me dou conta de que o primeiro beijo não tem absolutamente nada a ver com os beijos de novela. Só hoje me dou conta de que ele não tem nada a ver com os beijos dos contos de fadas.

Ok. Talvez algumas entre os oito bilhões de pessoas neste mundo possam ter tido um primeiro beijo sensacional, digno de Hollywood. Mas isso deve ser uma raridade! Acredito que a maioria fique ali tentando lidar com essa mistura de sensações que variam entre alegria, medo, vergonha e vontade de sair correndo.

É interessante... Tem a parte do frio na barriga, a tensão, aquela coisa que te prende a respiração e você quase perde o fôlego só de pensar. Tem a correria pra contar para as amigas, que vibram junto! Ou não. E é tudo isso que faz com que o desconforto passe despercebido por tanto tempo.

O que mais me espanta é o quanto carreguei comigo esse tal de primeiro beijo. O que me espanta é a importância que dei a isso.

Enquanto eu conto a história e minha filha rola na cama, se contorcendo de tanto rir, minha cabeça dá voltas pensando: o que mais eu carrego comigo desnecessariamente?

Penso que precisarei de mais tempo para conseguir responder a esta pergunta.

Sim. Claro! O primeiro beijo tem seu lugar. Assim como a primeira vez em que fazemos qualquer coisa em nossa vida. A primeira vez em que subi uma montanha, a primeira vez em que tive um filho, a primeira vez que andei de bicicleta, a primeira vez que andei de avião, a primeira vez que dirigi ou que comi comida japonesa. A primeira vez é uma novidade. E as seguintes tornam-se aprendizado, aperfeiçoamento.

Eu sorrio ao término da conversa com minha filha. Explico que a sensação de beijar alguém é muito boa, apesar de parecer meio nojento ou desconfortável pra quem está do lado de fora. Também digo que existem vários significados para os beijos.

O beijo pode ser somente um contato físico. Um selinho. Um beijo que vai se resumir a isso: um beijo. Às vezes, em alguém que você nunca mais vai ver na vida. Alguém que você só sabe o nome. Algo breve. Passageiro.

Tem os beijos que simbolizam o início de uma relação. E admito que já interpretei isso errado algumas vezes. Era um beijo passageiro e eu fantasiei um relacionamento. Óbvio que não deu certo.

Tem os beijos de carinho, que podem ser na testa, na bochecha. Beijos de despedida. Enfim, um sem número de beijos.

Ah! Preciso falar sobre o meu preferido.

É muito bom beijar alguém de quem a gente gosta. E é melhor ainda beijar quem também gosta da gente. Quando isso acontece, o beijo é um sinal de que você está aberto a algo mais. Ele revela intimidade, cuidado, desejo, tudo isso misturado. A melhor parte desse tipo de beijo é que ele é só o início. É a partir dele que se constroem grandes histórias de amor. Mas nem sempre a gente sabe disso naquele exato momento em que ele acontece...

Antes de terminar, lembro-me de uma frase do Pequeno Príncipe : foi o tempo que dedicaste a tua rosa que a fez tão importante.

Essa frase nunca me pareceu tão profunda quanto agora. Quem decide onde dedicar o próprio tempo, somos nós mesmos. Sempre foi nossa escolha. Sempre será.